Crónica do Grande Condestável D. Nuno Álvares Pereira
A Crónica do Condestabre de Portugal Nuno Alvarez Pereyra
A presumível primeira Crónica do Condestável foi escrita pouco tempo após a morte do D. Nuno Álvares Pereira (1360-1461), por autor anónimo, com data provavelmente anterior a 1440, e da qual não existe nenhum exemplar.
Trata-se de um relato biográfico centrado na descrição de feitos de Nun’Álvares, particularmente enquanto defensor do Reino, com um vasto vocabulário e grande riqueza de detalhes, sem cronologia precisa e com poucos detalhes da sua vida no Convento do Carmo. Foi provavelmente escrita por alguém que o conheceu ou que privou com os seus conhecimentos próximos.
Foi utilizada por Fernão Lopes (c. 1380-1460) na Crónica de D. Fernando e na Crónica de D. João I, obras que integram, por vezes quase literalmente, algumas passagens da Crónica do Condestabre - um dos argumentos que suportam a presumível edição original.
A mais antiga versão conservada da obra é a edição impressa em Lisboa pelo tipógrafo Germão Galharde (1526), quase setenta anos após a morte de D. Nuno. Na página de rosto encontra-se um aviso do editor relativamente à fidelidade ao texto original, que foi escrito sem mudar da antiguidade de suas palavras nem stillo.
O livro teve várias edições: em 1554 pelo mesmo tipógrafo Germão Galharde, significativo da grande divulgação que obteve a edição anterior; em 1623, uma edição do impressor António Alvarez, dedicada a D. Teodósio Duque de Bragança; em 1848, uma edição da Tipografia Constitucional no Porto; em 1911, uma edição fac-simile com prefácio de Mendes dos Remédios (1867-1932), à qual se seguiram outras edições do mesmo teor ou fac-similadas já no século XXI.
A edição de 1937
Em 1937, foi lançada uma edição da notável Crónica do Condestável do autor anónimo do século XV, destinada a um público juvenil, pela Livraria Sá da Costa, com adaptação dos textos originais por Jaime Cortesão (1884-1960) e ilustrações de Martins Barata (1899-1970). O livro teve sucessivas edições, sendo a última (9ª edição) em 2008.
O texto procurou dentro do possível, segundo as palavras de Jaime Cortesão no prólogo da edição, conservar essa fragância rústica e profunda de flor dos montes que lhe vêm do arcaísmo do conceito e da linguagem. Manteve certas palavras, elocuções e até formas de construção antiquadas que ajudassem a evocar o ambiente rude, épico e místico em que se move o herói. Acrescentaram-se alguns factos que explicassem os seguintes, e até um que outro traço indispensável à leitura de certos acontecimentos, cuja evocação, sem isso, ficaria incompleta para o leitor moderno (1).
As ilustrações de Martins Barata
As ilustrações do livro, da autoria de Martins Barata, são numerosas e incluem a ilustração da capa, a gravura do frontispício e as ilustrações de início de cada capítulo.
A ilustração da capa apresenta o Condestável, conforme a xilogravura da edição de 1526, a primeira imagem conhecida de D. Nuno’Álvares.
Nun’Álvares está representado com corpo inteiro, de pé, revestido de armadura, sustentando a maça com as duas mãos; no chão à sua direita, encontra-se o elmo.
Martins Barata complementou esta representação com o estandarte de D. Nuno: bandeira de fundo branco dividida por cruz vermelha; em cada quarto as imagens do Calvário, a Mãe de Deus com o Menino, São Tiago e São Jorge; as armas dos Pereira nos quatro cantos. Figuram igualmente o Escudo de Armas de Portugal, com doze castelos e os cinco escudetes terminados em Flor de Liz (Casa de Avis); D. Nuno, Cavaleiro defensor do Reino; e a nau portuguesa (referência à sua participação na conquista de Ceuta, início da expansão lusitana).
No início de cada capítulo encontra-se uma ilustração a preto e branco com a respectiva legenda alusiva à cena descrita, num total de catorze gravuras.
I – De como D. Nun’Alvares Pereira foi escudeiro da Rainha e contra o intento dele se casou.
II – De como Nun’Álvares mandou reptar João de Ançores, filho do mestre de santiago de Castela, par com ele se bater, dez por dez.
III – Agora se acaba de falar das boas tenções e se conta o primeiro grande feito de D. Nuno.
IV – De como D. Nuno de vassalo de El-Rei e de escudeiro da rainha se fez defensor da sua terra.
V – Agora conta a história como Nun’Alvares elegeu em seu coração o mestre de Avis como defensor do reino.
VI – Agora vereis como Nun’Alvares começou de servir o mestre, melhor do que ninguém.
VII – De como Nun’Alvares pôs em Portugal a primeira batalha pé terra e a venceu.
VIII – Agora conta a história de Nun’Alvares alguns feitos seus, mui saborosos por ardil e galhardia.
IX – De como D. João, Mestre de Avis, foi feito Rei de Portugal e Nun’Alvares, Condestável do reino e como este obrou grandes feitos em Entre douro e Minho.
X – De como se azou e venceu a batalha real de Aljubarrota.
XI – Agora conta a história como o Condestável pôs batalha aos castelhanos em Castela e a venceu.
XII – De como o Condestável começa a desprender-se aos poucos dos cuidados da Terra.
XIII – De como o bom e caridoso senhor repartiu seus bens pelos companheiros de armas e pela gente pobre; e de como adoeceu de humor melancólico.
XIV – Como o Condestável se apartou do Mundo para servir a Deus e faleceu em cheiro de santidade.
O livro inclui ainda no frontispício a reprodução da gravura Nun’Alvares atravessa o Tejo sem receio da vigilância das naus espanholas. Trata-se de cena descrita na Crónica original, durante a retirada das naus castelhanas após o cerco a Lisboa, quando D. Nuno estando em Palmela, decidiu atravessar o Tejo para se encontrar com o Mestre de Avis:
E Nun’Álvares embarcou, e ao atravessar pela frota de Castela, quando se encontrou no mais espesso dos navios, mandou dar às trombetas. Em toda a frota foi grande o alarme e a confusão. De um a outro navio bradavam, perguntando quem fora; e todos, até os que dormiam, se armaram, prontos para combater. Pois ninguém podia imaginar que homem como aquele, ainda que moço, capitão tão principal, cometesse à ventura e por jogo tão saborosa e arriscada façanha (2).
- Crónica do Condestável de Portugal por um autor anónimo do século XV, adaptação de Jaime Cortesão, ilustrações de Martins Barata, 6ª edição, Lisboa, Liv. Sá da Costa, 1967, p. 10-11.
- Ibidem, p. 126.
REFERÊNCIAS
- Chronica do Condestabre de Portugal Dom Nuno Alvarez Pereira, Coimbra, Ed. F. França Amado, 1911.
- Crónica do Condestável de Portugal por um autor anónimo do século XV, adaptação de Jaime Cortesão, ilustrações de Martins Barata, 9ª edição, Lisboa, Liv. Sá da Costa, 2008.
- MONTEIRO, João Gouveia, Nuno Álvares Pereira – Guerreiro, senhor feudal, santo, Lisboa, Presença, 2017.
- Tribo dos Pincéis, https://www.tribop.pt/1/04L/193/1937-CDCDP.html (consultado 16 de Dezembro de 2025).
FOTOGRAFIA martinsbarata.org
Agradecemos de forma particular ao Dr. João Martins Barata Cabral pelas informações amavelmente cedidas.
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