
O mostrador de relógio de Santa Maria da Graça, Santarém
O admirável painel de azulejo, que correspondia ao mostrador de um relógio mecânico na torre sineira da igreja da Graça em Santarém, é um dos mais antigos de Portugal e uma original referência na arte decorativa da arquitectura portuguesa.
O mostrador é uma peça de grande dimensão, com forma quadrangular, composto por uma série de azulejos formando um painel policromo em tons de azul, amarelo e branco.
No centro está representado um sol – a Rosa dos Ventos – incluído num círculo azul, com ponteiro em ferro. Os raios dividem o círculo em vinte e quatro partes iguais. Tem três anéis que delimitam as horas em numeração romana, intercalada por pequenos polígonos.
Nos ângulos estão representadas as imagens alegóricas dos quatro ventos, marcando os quadrantes Norte, Sul, Este e Oeste, de acordo com a mitologia grega: em cima, à esquerda, Bóreas, o vento do Norte e, à direita Euro, o vento do Leste; em baixo, à esquerda, Zéfiro, o vento do Oeste e, à direita, Noto, o vento do Sul. Uma cercadura de óvulos delimita totalmente o mostrador.
Embora não se possa atribuir uma autoria a esta obra invulgar, no entanto a sua semelhança com outros núcleos, nomeadamente o existente na igreja de São Roque em Lisboa, assinado por Francisco de Matos (1584), remete a sua realização para as últimas décadas do século XVI ou primeira metade do século XVII.
O painel foi retirado da torre sineira da igreja da Graça, no âmbito dos restauros realizados nas décadas de 1940-1950 pela Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais. Foi instalado no interior da igreja de São João de Alporão, actual Museu Municipal de Santarém.
A confirmar a importância deste painel foi realizada uma réplica actualmente em exposição Núcleo Museológico do Tempo instalado na Torre das Cabaças, também em Santarém.
Os primeiros relógios - de sol - terão entrado no território português com a conquista romana. A sua substituição por um relógio mecânico permitiu um novo rigor no registo do tempo, nomeadamente nos edifícios religiosos.
Nos finais do século XV o relógio era um instrumento indispensável para a regulação da vida monástica. A sua colocação na torre sineira alargou também a sua influência à zona urbana onde se situava o mosteiro ou igreja, e ao meio rural envolvente.
A aplicação de azulejos ao mostrador do relógio data possivelmente dos finais do século XVI – princípios do século XVII, sendo o da torre da igreja da Graça de Santarém um dos primeiros exemplares.
REFERÊNCIAS
- MARINHO, Lúcia. Guardiães do tempo: A arte da relojoaria na colecção da Casa-Museu Dr. Anastácio Gonçalves. Lisboa: Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2010.
- PAIS, Alexandre Nobre, Viagens numa terra brilhante – A Azulejaria no Concelho de Santarém, in Santarém: Arte, História e Património, Lisboa, Caleidoscópio, 2020.
- MARINHO, Lúcia. “O azulejo e o tempo: os painéis cerâmicos que marcaram as horas a partir do século XVI”, ARTIS – Revista de História da Arte e Ciências do Património, nº 6, 2021.
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