
A naveta de prata da igreja da Muxima, Angola
A naveta tem origem em São Salvador da Baía onde, desde o século XVII, se fixaram numerosos artífices de naturalidade portuguesa. A notável ourivesaria baiana desenvolveu-se através das grandes famílias de ourives, que se dedicavam também à produção de peças destinadas a outras regiões, nomeadamente Angola.
A naveta da Muxima, realizada entre 1725 e 1755, foi provavelmente encomendada a um ourives baiano, não identificado, por algum devoto da Senhora da Muxima, tendo em conta a proximidade das relações comerciais entre a costa angolana e brasileira. Faria parte do conjunto descrito pelo Alferes Sampaio, no relatório que enviou ao Governador-geral de Angola Pedro Alexandrino da Cunha, em 1846: "igreja (…) tem muitas alfaias e ouro e prata que, não obstante de gosto antigo, são ricas pela quantidade de metal nelas empregado (1).
Em 1907, o Príncipe Real D. Luís Filipe (1887-1908), visitou as antigas colónias portuguesas de África – São Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique, Cabo Verde…-, uma viagem que durou cerca de três meses. De Angola, trouxe várias peças, entre elas, uma naveta de prata, pertencente à igreja de Nossa Senhora da Conceição da Muxima, dando-a de presente a sua Mãe, a Rainha D. Amélia.
Com a implantação da República em 1910, foi criada uma Comissão de Arrolamento de Bens dos Palácios e Paços Reais. A 24 de Março de 1911, foi expedida a ordem de entrega de todas as pratas que pertenciam à extinta Casa Real e Real Thesouro. Possivelmente a naveta terá sido enviada, numa primeira instância, para a Casa Forte do Palácio das Necessidades, juntamente com as restantes peças.
Em 28 de Maio de 1941, foi autorizada a sua entrega ao então constituído Museu Nacional Soares dos Reis, no Porto. A 20 de Junho, integrava a relação das peças de ourivesaria e outras entregues a título de depósito ao dito Museu, onde ainda se encontra. Naquela relação, com o Nº 544, é descrita como uma naveta de prata pertencente à igreja da Muxima, no rio Quanza, pesa 792gr (2).
Esta notável peça fez parte de várias Exposições: de Artes Decorativas dos séculos XVII e XVIII, promovida pelo Museu Nacional Soares dos Reis no Porto, em 1949; de Ourivesaria Portuguesa e Francesa promovida pela Fundação Ricardo Espírito Santo em Lisboa, em 1955; e da Exhibition of Portuguese Art. 800-1800, promovida pela Royal Academy of Arts, em Londres, em 1955-56.
A naveta da Muxima: uma descrição
A naveta da Muxima, em prata, tem base circular decorada com motivos vegetalistas. Tem a forma de nau portuguesa, com quilha e leme bem definidos, e também a representação das tábuas pregadas no casco. Na popa, está representada uma arcatura com balaustrada e, como figura de proa, está esculpido um leão. A escotilha é relevada e moldurada. Tem punção DFV, de ourives não identificado.
A naveta no culto cristão
A naveta é um objecto litúrgico, destinado a transportar grãos de incenso a serem queimados no turíbulo nas cerimónias solenes, sendo habitualmente em metal nobre, a prata neste caso.
A queima do incenso nos actos solenes litúrgicos existe desde os primeiros tempos do cristianismo, simbolizando a ascensão da oração dos fiéis. A partir do século IX, assumiu a forma de uma pequena nave, de onde deriva o seu nome. Associada ao turíbulo – incensário -, dignifica e soleniza as cerimónias mais importantes do calendário litúrgico.
A presença de uma naveta de prata em Muxima, mostra de forma particular, a grande importância concedida a esta pequena igreja, e a sua centralidade na devoção mariana daquelas terras. A peça, reveste-se de grande valor histórico e patrimonial.
Imagem: Naveta, Ourives DFV, não identificado. Museu Nacional Soares dos Reis. Museus e Monumentos de Portugal, E.P.E / Arquivo de Documentação Fotográfica.
Autor da fotografia: Carlos Monteiro.
- GABRIEL, Manuel Nunes, Padrões da Fé. As Igrejas antigas de Angola. Braga: Arquidiocese de Luanda, 1981, p.163.
- https://purl.sgmf.gov.pt/167950/1/167950_master/167950_PDF/167950.pdf
REFERÊNCIAS
- DIAS, Pedro, História da Arte Portuguesa no Mundo (1415-1822), O Espaço Atlântico. s.l. Círculo dos Leitores, 1999.
- http://raiz.museusemonumentos.pt/ (consultado em 2 de Maio de 2025).
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