Igreja do Santo Condestável, Lisboa


Nesta página: 

I . História

II .Descrição

III . O Santo Condestável

IV. São Nuno de Santa Maria: culto e iconografia

 

I . HISTÓRIA

A paróquia do Santo Condestável foi criada por decreto de 21 de Maio de 1934 do Cardeal-Patriarca de Lisboa, D. Manuel Gonçalves Cerejeira (1888-1977), tendo sido entretanto adquirido o terreno para a construção da nova igreja na zona de Campo de Ourique em Lisboa.

A paróquia teve sede provisória na capela de Nossa Senhora das Dores e, como eventual anexo, a ermida do Senhor Jesus dos Terramotos.

Foi seu primeiro pároco o Padre Francisco Maria da Silva (1882-1946), que iniciou as funções paroquiais no dia 8 de Junho do mesmo ano (1834), tendo falecido antes de ver iniciada a obra da igreja paroquial.

A primeira pedra da nova igreja foi lançada solenemente no dia 28 de Maio de 1948. A cerimónia foi presidida pelo Cardeal Cerejeira com a presença do Ministro da Guerra, do Governador Militar, do Marquês de Abrantes e outras entidades. Foi depositada terra de Aljubarrota numa arca junto à primeira pedra, trazida directamente para o efeito por um atleta estafeta – Joaquim de Almeida -, com guarda de honra de alunos das Escolas Naval e do Exército.

A edificação do templo foi realizada no quadro das chamadas novas igrejas de Lisboa, com projecto de Vasco de Morais Palmeiro (Vasco Regaleira) (1897-1968), em estilo neogótico, inspirado particularmente na igreja do Convento do Carmo em Lisboa e na igreja da Graça em Santarém. Para a sua construção contribuíram também o Ministério das Obras Públicas e o Exército Português.

Na edificação do templo, integraram-se jovens e promissores artistas deste período: os escultores Leopoldo de Almeida (1898-1975) e Domingos Soares Branco (1925-2013); os pintores Almada Negreiros (1893-1970), Portela Júnior (1898-1985) e Joaquim Rebocho (1912-2003); e no enquadramento da igreja, o arquitecto Gonçalo Ribeiro Telles (1922-2020).

O templo foi inaugurado a 14 de Agosto de 1951, aniversário da Batalha de Aljubarrota, na presença do Cardeal-Patriarca de Lisboa, do Chefe de Estado e do Presidente do Conselho de Ministros. Procedeu-se à trasladação das relíquias do Santo Condestável, em cortejo de escolta de honra militar, da Capela da Ordem Terceira do Carmo para a nova igreja.



II . DESCRIÇÃO

A igreja paroquial do Santo Condestável ergue-se no centro de uma ampla praça rectangular, de planta em cruz. O espaço ajardinado, que enquadra a igreja, também inaugurado em 1951, foi projectado pelo arquitecto paisagista Gonçalo Ribeiro Telles. Um busto do Padre Francisco Maria da Silva, de bronze sobre pedestal de granito, da autoria de Martinho de Brito 1916-1998), inaugurado em 1957, foi erigido em homenagem ao estimado primeiro pároco da freguesia.

Num dos cantos da área ajardinada encontra-se um notável painel de cerâmica, representando O Bairro, de Teresa Cortez (2009).

A arquitectura do templo é de grande simplicidade de forma, inspirada na fase final do gótico, onde sobressai o granito.

Na fachada principal destaca-se o pórtico de arco em ogiva com as armas reais de Portugal; remata a grimpa a cruz do brasão dos Pereira. Do lado direito está uma réplica da célebre espada de D. Nuno com placa e inscrição NO VI CENTENÁRIO DO NASCIMENTO DO SANTO CONDESTÁVEL 1360-1960.

As duas torres laterais, simétricas, têm cantoneiras nas esquinas, e remate também com a Cruz dos Pereiras, sendo sineira apenas a torre Norte.

As fachadas laterais têm frestas ogivais e os mesmos elementos decorativos da fachada principal, com o pelicano – símbolo eucarístico – esculpido no tímpano dos portais de acesso.

O acesso ao interior do templo faz-se por meio da galilé, protegida por gradeamento de ferro forjado em ponta de lança, alusão significativa ao Condestável.

Sobre a porta principal destaca-se o grupo escultórico, de Leopoldo de Almeida, representando São Nuno de Santa Maria, com a taça e a espada – atributos da iconografia; está ladeado por São Miguel Arcanjo e pelo Anjo de Portugal. Sobre a cornija encontra-se o escudo heráldico dos Pereira e a legenda com palavras de Nun’Álvares TENDO FIRME ESPERANÇA EM DEUS, POUCOS DE NÓS VENCERÃO MUITOS (1). O pórtico está ladeado por contrafortes com as imagens de Nossa Senhora do Carmo e São Jorge em mísula e baldaquino.

O interior do templo é de traçado simples, em cruz latina, com três naves, as laterais sob o trifório, arcadas em ogiva e o tecto de falsa abóbada de aresta.

Duas portas laterais com cancelos de ferro forjado, também em ponta de lança, dão acesso ao coro e ao baptistério, com pia baptismal encimada pela cruz dos Pereira.

No transepto, encontram-se o altar de Nossa Senhora do Rosário com imagem do século XVIII, e o altar do Sagrado Coração de Jesus com escultura de Veloso da Costa.

Destacam-se as duas grandes janelas ogivais com notáveis vitrais de Almada Negreiros, representando: do lado direito, A Anunciação do Anjo e o Imaculado Coração de Maria, e o monograma AM – (AVÉ MARIA); do lado esquerdo, Cristo Bom Pastor e o Sagrado Coração de Jesus, e as letras gregas Alfa e Ómega (Jesus Cristo princípio e fim).

Na capela-mor, ressalta o grande retábulo com A Glorificação de Nun’Álvares Pereira, fresco de Severo Portela Júnior (1898-1985) com a colaboração de Joaquim Rebocho. Está presidido pelo cordeiro místico, rodeado de Anjos em adoração; São Nuno encontra-se representado ao centro como Condestável do Reino, sobre pedestal, tendo na parte inferior um Anjo com a legenda, atribuída a D. Nuno AQUELE QUE EM VIDA NÃO CUMPRE NÃO ENTRA NO REINO DO CÉU; do lado esquerdo, o rei (D. João I), um militar com a bandeira de Portugal, e um homem de leis; do lado direito, um cavaleiro com o estandarte de D. Nuno, um cavalo branco e, em segundo plano, um religioso com o pendão dos carmelitas. Em toda a extensão, na parte inferior do fresco, destaca-se a legenda À GLÓRIA E VIRTUDE DO SANTO CONDESTÁVEL ESTA IGREJA CONSAGRA A NAÇÃO PORTUGUESA.

O sacrário, também em pedra, tem representado na porta uma admirável imagem do Pelicano.

Sob o altar-mor de pedra assente em colunelos, encontra-se o túmulo-relicário de Nun’Álvares, de Domingos Soares Branco, tendo na face frontal um baixo-relevo representando o escudo de D. Nuno, ladeado por quatro guerreiros ajoelhados e a inscrição SANCTI COMDESTABILIS RELIQUIAE PORTUCALENSIS EERCITUS CURA HIS POSITAE (As relíquias do Santo Condestável foram aqui depositadas solenemente pelo Exército Português).

O coro está presidido também por uma imagem do Santo Condestável em hábito carmelita atribuída ao escultor Veloso da Costa por Norberto de Araújo.



III . O SANTO CONDESTÁVEL

Nun’Álvares nasceu em 24 de Junho de 1360, possivelmente em Cernache do Bonjardim, filho de D. Álvaro Gonçalves Pereira, cavaleiro da Ordem dos Hospitalários e Prior do Crato, e de D. Iria Gonçalves do Carvalhal. Entrou na corte em 1373, como escudeiro da Rainha D. Leonor, sendo armado cavaleiro aos doze anos.

Em 1376, casou-se em Vila Nova da Rainha com D. Leonor de Alvim. Dos três filhos do casal apenas sobreviveu D. Beatriz, a qual viria a desposar D. Afonso, 1º Duque de Bragança. Em 1380, o Rei D. Fernando confiou-lhe o cargo de Fronteiro de Entre Tejo e Guadiana e, em 1382, participou na defesa de Lisboa contra as tropas castelhanas.

Em 1383, quando se iniciou a luta pela coroa portuguesa, tomou o partido de D. João, Mestre de Avis. Em 1384, venceu os castelhanos na Batalha dos Atoleiros, no Alentejo, consagrando uma nova táctica de combate. Em memória da vitória ergueu-se a Capela de Nossa Senhora da Orada no local onde terá rezado antes do confronto.

Foi nomeado Condestável do Reino por D. João I, entretanto aclamado rei nas Cortes de Coimbra, ficando assim encarregado do comando militar do país. A 14 de Agosto de 1385, véspera da Festa de Nossa Senhora da Assunção, travou-se a Batalha de Aljubarrota, decisiva na independência do Reino. A estratégia adoptada frente aos castelhanos, que eram em muito maior número, foi determinante para a vitória. Em sua comemoração foi erigido o Mosteiro de Santa Maria da Vitória e, no local onde esteve o pendão de Nun’Álvares, a Capela de São Jorge, santo invocado pelos portugueses durante as lutas de independência.

Em Outubro do mesmo ano (1385) deu-se a Batalha de Valverde, onde novamente se confirmou o valor da personalidade de D. Nuno. Em reconhecimento, D. João I fez-lhe grandes doações, entre as quais os condados de Barcelos, Ourém e Arraiolos.

Em 1389, já viúvo, fundou o Convento do Carmo, em Lisboa, sob a invocação de Nossa Senhora do Vencimento. Em 1397, chegavam de Moura, a seu pedido, os primeiros carmelitas. Entretanto, distribuiu grande parte dos seus bens entre os companheiros de armas. Participou ainda, em 1415, na conquista de Ceuta com que se iniciou a expansão portuguesa.

Em 1423, aos 63 anos, depois de fazer doação de todos os seus títulos e domínios, professou no Convento do Carmo como simples irmão donato, tomando o nome de Frei Nuno de Santa Maria. Os últimos anos da sua vida foram dedicados à contemplação e ao serviço dos pobres, de tal modo que foi chamado Santo Condestável pelo povo ainda em vida.

Morreu no Domingo de Páscoa, 1 de Abril de 1431, no Convento do Carmo, onde foi sepultado, em campa rasa como era seu desejo. 

Os escritos sobre a vida de Dom Nuno Álvares Pereira foram surgindo aliados à fama da sua santidade. Numerosos poemas e cantos se produziram nos anos imediatos, registados em numerosas publicações.

Personalidade marcante da história de Portugal, cavaleiro cristão em que a causa religiosa se concretizava na defesa da independência da sua terra (2), é considerado um dos maiores estrategas da história militar. De vida de oração intensa, em todos os combates teve presente Deus, a Virgem Maria e os Santos – particularmente São Jorge -, encomendando-lhes constantemente a salvação do Reino. Ficou a referência na história dos seus feitos, à oração antes das batalhas, ao modo de tratamento para com os guerreiros inimigos.

Ditosa pátria que tal filho teve!

(Luís de Camões, Os Lusíadas, Canto VIII, estrofe 32)



IV . SÃO NUNO DE SANTA MARIA: CULTO E ICONOGRAFIA

O culto ao Santo Condestável é muito antigo em Portugal. Venerado como santo pela piedade popular logo após a morte, a sua sepultura no Convento do Carmo foi local de romagem, do povo de Lisboa, de nobres e da família real. As Crónicas Carmelitas referem um grande número de milagres atribuídos à sua intercessão.

O culto persistiu ao longo dos séculos, embora restringido no período de domínio filipino, com altares e imagens difundidos por todo o país, particularmente nos lugares ligados à vida do Condestável, e numerosas publicações sobre a sua vida e os seus feitos. Também internacionalmente se expandiu o culto, nomeadamente Espanha, Itália e Inglaterra, de forma particular durante e após a segunda guerra-mundial.

O processo de canonização de São Nuno de Santa Maria foi iniciado poucos anos após a sua morte. Em 1437, o Rei D. Duarte (1391-1438) solicitou ao Papa Eugénio IV a canonização do Condestável, tendo o Infante D. Pedro (1392-1449) redigido então o célebre elogio de Nun’Álvares.

Modelo de príncipes, exemplo de senhores, espelho de contemplativos és tu, bem-aventurado Nuno! Tu foste firme e forte em combate, tu foste comedido e apiedado na vitória, tu foste justo e misericordioso na paz, tu foste obediente e devoto no claustro (3).

Em 1641, as cortes portuguesas renovaram este pedido, enviado por D. João IV ao Papa Urbano VIII e, 33 anos mais tarde, na regência de D. Pedro II, ao Papa Clemente X. As diligências para a sua veneração pública, no entanto ficaram suspensas por dois séculos.

Em 1894, o Padre Anastácio Ronci, então postulador-geral dos carmelitas, introduziu na Santa Sé o processo para o reconhecimento do antiquíssimo culto ao Santo Condestável, que foi finalmente beatificado em 15 de Janeiro de 1918, pelo Papa Bento XV, com o decreto Clementissimus Deus, no difícil contexto da I Guerra Mundial.

Em 1940, os bispos portugueses pediram ao Papa Pio XII a prossecução da causa de canonização, que se iniciou no ano seguinte e, após um período de interrupção, reaberta em 2003. Nuno de Santa Maria foi canonizado a 26 de Abril de 2009 em Roma pelo Papa Bento XVI, que se lhe referiu como cavaleiro de vigor, extraordinário chefe militar e humilde frade carmelita distinguiu-se pela rectidão de comportamento e amor à Pátria, pureza de vida e desprendimento, cortesia e generosidade, uma vida de oração intensa e em particular pela grande devoção a Nossa Senhora, a quem atribuía publicamente as suas vitórias (homilia de Bento XVI na Missa de canonização).

São Nuno de Santa Maria é representado, quer como condestável, quer com hábito carmelita. O seu estandarte branco, dividido por cruz vermelha, tem nos quatro quadrantes as armas dos Pereira – uma cruz de prata florida e vazia – e a representação do Calvário, da Virgem com o Menino, de São Jorge e de São Tiago.

A sua festa é celebrada a 6 de Novembro.

É padroeiro e patrono de uma infinidade de instituições portuguesas e estrangeiras, grande parte relacionadas com a vida militar, entre elas a Infantaria do Exército Português.

 

  1. LOPES, Fernão, Crónica de Dom João I, Primeira Parte, Imprensa Nacional, Centro de Estudos Comparatistas, Edição crítica, 2017, p. 165.
  2. CLEMENTE, Manuel, Nuno Álvares Pereira: Um Santo A Reconhecer, Colóquio “D. Nuno Álvares Pereira. O Homem E A Memória””, Conferências do Casino, 27 de Março de 2004.
  3. FONSECA, Luís Adão da, Nuno Álvares Pereira. Uma reflexão, in OLIVEIRA, Humberto (coord.) Olhares de Hoje Sobre Uma Vida de Ontem: Nuno Álvares Pereira Homem, Herói e Santo, Universidade Lusíada /Ordem do Carmo, Lisboa, 2009, p.182.

 

REFERÊNCIAS

  • ARAÚJO, Norberto, Inventário de Lisboa, fascículo 12, Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa, 1956.
  • SANTANA, Francisco, SUCENA, Eduardo, (dir.), Dicionário da História de Lisboa. Lisboa, s.n., 1994.
  • VELASCO BAYÓN, Balbino, O. Carm., História da Ordem do Carmo em Portugal, Lisboa, Paulinas, 2001.
  • OLIVEIRA, Humberto (Coord.) Olhares de Hoje Sobre Uma Vida de Ontem: Nuno Álvares Pereira Homem, Herói e Santo, Universidade Lusíada /Ordem do Carmo, Lisboa, 2009.
  • AZEVEDO, Carlos, Iconografia do Santo Condestável, 2009 https://agencia.ecclesia.pt/portal/iconografia-do-santo-condestavel/ (consultado 19.11.25).

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